Rumo à medicina preditiva
Há 9 anos na BP – Beneficência Portuguesa de São Paulo, Lilian Hoffmann, diretora de Tecnologia e Inovação contou em conversa com esta colunista que seu maior desafio até hoje à frente da TI foi a transformação de todo o atendimento em prontuário eletrônico. Quando Lilian entrou na BP tudo estava em papel e os novos procedimentos levaram a uma mudança muito grande de cultura, “em alguns casos com perda de poder à medida que democratizou a informação, questões que tiveram que ser trabalhadas.
Na pandemia, o hospital viveu uma aceleração digital exponencial por conta da necessidade de atender um número muito maior de pacientes. Um exemplo foi o aumento da prática da telemedicina. Lilian conta que para os colaboradores houve também uma grande quebra de paradigma com a adoção do trabalho remoto, até então nada comum na área hospitalar.
Dos 7 mil funcionários, os de backoffice, cerca de 800, passaram a trabalhar de casa. Hoje, este grupo atua em regime híbrido nas funções que não as da linha de frente. Mas as mudanças foram bem além, envolvendo novas padronizações de atendimento. “Era uma doença nova mundialmente, que modificou protocolos e tínhamos que estar alinhados para que toda a equipe médica utilizasse os protocolos validados cientificamente”, explicou Lilian.
Outra questão enfrentada neste período foi a necessidade de dados em tempo real para o acompanhamento do estoque de medicamentos, anestésicos, máscaras e outros produtos em falta no mercado. Ela conta que a tecnologia foi super importante não só para mapear em tempo real, mas para trabalhar a previsibilidade, além de gerir recursos como equipamentos, leitos, vagas de UTI, entre outros.
“Como também tivemos baixas na equipe, os procedimentos tinham que ser analisados em tempo real para estabelecer prioridades”, completa. E afirma que a aceleração digital veio para ficar pelo que agregou e continua agregando. Foi também mais um reforço da importância da TI dentro do negócio. Lilian diz que tem o privilégio de a alta direção do hospital, a começar pela CEO, Denise Santos, engenheira, acreditar que a tecnologia viabiliza estratégias. “Isso só se comprovou na pandemia”.
A nova estratégia de crescimento do hospital tem muita coisa pautada pela tecnologia. Um dos passos já dado foi a associação com o Bradesco e o Laboratório Fleury para a criação de uma nova empresa voltada à área de oncologia. A ideia é o paciente como foco central e os sistemas o suportarem não apenas quando ele está dentro do hospital, mas em sua jornada de saúde, desde a prevenção até o processo de reabilitação.
Outra meta, desta segunda onda, é a utilização dos dados capturados ao longo desses nove anos como recurso e, por meio de inteligência artificial, criar insights a respeito da saúde dos pacientes. Na linha da inovação, considerada também uma viabilizadora das estratégias da empresa, o programa Cuidado Digital permite a experimentação de ferramentas que possam agregar valor no cuidado do paciente por meio da entrega de uma saúde diferenciada.
Neste sentido, o hospital trabalha em projetos como produtos mínimo viáveis por meio de impressão em 3D, uso de IA sobre imagem médica para apoio ao diagnóstico, equipamentos vestíveis – wearables, para monitoramento do paciente em tempo real, uso de linguagem natural para leitura de prontuário que está em texto, entre outros, em um contexto de experimentação super controlado por se tratar da área da saúde. A ideia, como explica Lilian, é permitir uma entrega de saúde diferenciada olhando para a medicina preditiva.
Outro projeto é o Smart Schedulling que, junto com a GE, analisa dados de agenda e faz previsão de no show a partir de inputs como faixa etária do paciente, geolocalização, previsão do tempo, trânsito e outras informações, verificando o percentual de chance do paciente não comparecer. A partir daí é feita uma ação proativa, com um aproveitamento melhor da agenda.
Esta tecnologia tem mostrado eficácia e levará a possibilidades mais certeiras quanto à eficiência operacional, permitindo uma melhor ocupação das vagas e o atendimento a um número maior de pacientes. Há seis meses em operação, o novo processo já reduziu o índice de “no show” em alguns casos de 12% para 5%, e a meta do hospital e chegar aos 2%. “Acreditamos que esta tecnologia, que utiliza dados e faz análise correlacionando estas informações, é o futuro da saúde pensando no que a gente consome, como é nosso estilo de vida, a caminhada que fazemos…”.
Para o futuro, Lilian destaca a interoperabilidade destes dados no ecossistema da saúde, interagindo, por exemplo, com as operadoras e com a própria indústria de consumo. “Essa interoperabilidade não só clareia a jornada do paciente como pode reduzir, em muito, o desperdícios como a repetição de exames desnecessariamente”. Ela destaca também o potencial para pesquisa. “Claro que tudo dentro de um contexto ético sobre o uso dos dados, sempre com a autorização do próprio paciente”, deixa claro.
Lilian ressalta que olhar a jornada do paciente de um modo integral é o futuro na área. Ela acredita em um novo modelo de negócio que prevê que os agentes da saúde recebam para cuidar da saúde população, fazer com que ela não adoeça e, se adoecer, tenha o melhor tratamento em um modelo ganha-ganha: “melhor para o paciente, para a operadora e para o hospital, diferente do que se tem hoje que é um modelo que fomenta a má prática da medicina”, conclui.
*Stela Lachtermacher é jornalista de TI, com atuação como editora e colunista no Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Editora Abril e diretora editorial na IT Mídia. Hoje tem sua própria empresa, a Candelabro, onde trabalha na produção de conteúdo e integra o time de parceiros da Conteúdo Digital no desenvolvimento da Coluna “Bastidores da TI” no portal Decision Report.