No mundo da Fantasia
Difícil imaginar que quem hoje ocupa o posto de CDO- Chief Digital Office da maior rede varejista de brinquedos do País, a Ri Happy, começou sua carreira de TI na área financeira, mas especificamente no tradicional Lloyds Banking Group, onde Paulo Farroco entrou como Analista Júnior e quando saiu, mais de dez anos depois, ocupava a posição de Gerente Sênior. “No Lloyds desenvolvi minha carreira. Foi uma grande escola tanto em tecnologia quanto a respeito do setor financeiro”, afirma, lembrando que o banco tinha a vocação de inovar e formar mercado.
O convite para a C&A teve como foco inicialmente a área de Retail Finance Service e depois Farroco assumiu como CIO da empresa onde trabalhou por mais de nove anos no Brasil e outros três anos no México, para onde foi com a missão de unificar os sistemas do Brasil, México e Argentina. “Entrei no grupo C&A em 1999 e o grande desafio na época era o enfretamento do bug do milênio.
Para escapar do bug tivemos que implantar o SAP em dez meses. Só que no mesmo barco estávamos nós e a torcida do Corinthians e havia uma enorme demanda por profissionais e uma escassez proporcional. Treinávamos um profissional e em pouco tempo ele recebia outras ofertas e ía embora”. E no caso da C&A, tudo tinha que estar pronto mais cedo, antes do Natal, o que aumentava ainda mais a pressão.
Outro grande desafio enfrentado por Farroco ainda na C&A foi a busca por um sistema de gestão de estoque baseado em SKU – Stock Keeping Unit, código único de identificação atribuído a cada produto, o que significou uma grande mudança no modelo de gestão antes baseado em lotes compostos por grades de numeração e cores. “No sistema SKU cada produto recebe um código único o que torna a reposição mais inteligente e reduz estoques”, explica. Na ausência de um software que atendesse à demanda da empresa, a equipe interna de TI desenvolveu um sistema próprio.
De volta do México, Farroco se manteve no mundo da moda na Pernambucanas e depois na Riachuelo, onde conta que participou do boom da transformação digital que envolveu não só o varejo mas também o cartão da financeira do grupo, a Midway. “O varejo se tornou uma área muito mais complexa com o início dos cartões das lojas”, diz, lembrando que foi o setor que passou a conceder crédito para pessoas não bancarizadas, ou seja, que não tinham conta em banco, e acabou por mostrar aos bancos como trabalhar com este “novo público”.
“O varejo foi quem popularizou o cartão para não bancarizados e foi o que startups como Nubank e outras passaram a fazer tempos depois de forma mais ágil”. Outro marco na gestão de Farroco na TI da Riachuelo foi o desenvolvimento do centro de distribuição, reconhecido como o mais automatizado da América Latina, além da implementação do e-commerce e da criação do app da empresa.
Depois de quase sete anos na Riachuelo, Farroco permanece no varejo mas muda de setor. Em 2019 assume como CIO do Carrefour. “O mercado alimentar pulsa muito mais rápido que o mercado da moda e em um lugar como Carrefour você lida com produtos que vão de um pé de alface, com sua temporalidade, até uma geladeira”.
Farroco conta que no hipermercado foi onde fez o trabalho mais profundo em termos de dados e clusterização até aquele momento. “A tal ponto que hoje a empresa possui uma linha de venda de dados para seus fornecedores, claro que seguindo todas as normas da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados”. E acrescenta que o dado hoje é valor e o varejo tem esta oportunidade de realizar esta transformação. “O dado bruto é pouco útil, mas ele trabalhado é tudo”.
E o foco nos dados continua em sua jornada na Ri Happy, iniciada há pouco mais de um ano. O grupo, que completa 35 anos, é a maior rede varejista de brinquedos do País, com mais de 350 lojas e um total de 4 mil funcionários. Um dos projetos em curso é o que busca capturar de forma não intrusiva informações das cerca de 50 a 60 milhões de pessoas que circulam nas lojas da rede ao longo do ano para a realização do cadastro e a transformação destes em leads que são trabalhados posteriormente.
“Estamos usando com ferramentas para “rejuvenescer” a maneira de capturar os dados dos clientes que visitam as lojas, tornando-a mais ágil e inteligente”. O programa de Fidelidade da empresa permite o cadastro de até sete crianças por cada cliente. A partir desta ação é feito o monitoramento e realização de um marketing direcionado. Mas segundo Farroco o desafio, além da captura dos dados, está em a partir daí dar um tiro de “snyper” em termos de marketing direto.
E explica que a direção é a clusterização do público com a identificação de grupos como mães, tias, avós para a realização do trabalho. Isso além de datas tradicionais como Dia das Crianças e Natal e ainda eventos como filmes do tipo Barbie e Wandinha, entre vários outros, que levam à uma alta demanda por produtos específicos ligados aos títulos. Em seu marketplace, a Ri Happy trabalha com mais de 700 empresas e com cerca de 700 mil produtos, cada qual representando uma SKU – Stock Keeping Unit, aquele código de identificação de um produto específico.
Na área comercial, o trabalho da TI da Ri Happy está direcionado à chamada gestão modificada de estoque, com a clusterização de lojas e reposição de mercadorias de forma mais assertiva acompanhando os lançamentos, as tendências e o comportamento do público. Sistemas de clusterização são utilizados também na venda via whats app.
Farroco explica que são criadas réguas de relacionamento e é feita a gestão da agenda do vendedor e dos contatos que realiza. A partir daí o comportamento do cliente é monitorado para que, independente de onde seja realizada a compra, o vendedor seja remunerado adequadamente. Está sendo criada também uma plataforma de business-to-business para a venda de grandes volumes diretamente para empresas em datas que estas presenteiam filhos de funcionários, como o Natal e Dia das Crianças.
Ferramentas de inteligência artificial também já são utilizadas pela Ri Happy em iniciativas logo após uma ação de compra. O cliente recebe um questionário com perguntas geradas com uso de IA que são mais direcionadas e menos genéricas, elaboradas a partir dos temas captados como os mais sensíveis para aquele consumidor, tais como preço, atendimento… entre outros, que vão levar à obtenção de respostas mais profundas, mais qualitativas, a partir das quais vai ser possível mapear a experiência que aquele cliente teve.
“Podemos até ter menos respostas, mas temos respostas mais profundas. Farroco lembra que este era o modelo usado nos focus groups realizados com pequenos grupos de clientes para análises mais profundas. A ideia é um relacionamento mais assertivo. Segundo ele, este é um momento difícil para o varejo que está se reencontrando no pós-pandemia, buscando novos caminhos e se reinventando diante da mudança do próprio cliente.
“A pandemia foi um divisor de águas entre como era o mercado, o consumo e o comportamento do cliente no antes e no depois. É uma realidade nova que não tem comportamento muito extenso para olhar para trás. Houve um hiato e temos poucos dados e agora tem que se descobrir o novo varejo”, conclui.
*Stela Lachtermacher é jornalista de TI, com atuação como editora e colunista no Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Editora Abril e diretora editorial na IT Mídia. Hoje tem sua própria empresa, a Candelabro, onde trabalha na produção de conteúdo para todas as plataformas editoriais e participa do Conselho Editorial da Decision Report.