Virando a mesa
Vítor Ferreira tem uma história bastante curiosa, principalmente por não ser originalmente da área de TI, mas hoje além de CIO do Hospital Infantil Sabará, de São Paulo, referência em medicina pediátrica, é presidente da ABCIS – Associação Brasileira de CIOs da Saúde, onde acaba de ser reeleito para o próximo biênio. Formado em administração com ênfase em RH, sua carreira desde o início aconteceu na área da Saúde. Começou no complexo da Escola Paulista de Medicina, responsável pelo Hospital da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, onde trabalhou por 15 anos e, segundo ele, aprendeu os fundamentos da gestão hospitalar na prática em um ambiente intenso e desafiador.
Em seguida, Vítor assumiu a área de Qualidade do Hospital da Unimed de Sorocaba movimento que, segundo conta, ampliou seu horizonte. “Em qualidade você tem que conhecer a fundo todos os processos de cada área, desenvolver um conhecimento eclético, inclusive sobre sistemas e infraestrutura, e sempre gostei de tecnologia como curioso, mesmo sem nunca ter atuado na área até aquele momento, e usava da TI como ferramenta.”
Por conta desta e de outras experiências, Vítor foi convidado a assumir, em 2012, a Gerência de Contas do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, um dos maiores do País. Ele conta que logo depois de sua chegada começou a dar palpite nos processos da organização, o que acabou por levá-lo a ser convidado a assumir a área de Operações da instituição.
Vítor reconhece que em todas as posições pelas quais passou no hospital reclamava muito da TI. “Eu sentia uma distância muito grande com relação às demais áreas, o que dificultava qualquer encaminhamento. O resultado das críticas é que foi chamado a assumir a TI aproveitando sua experiência em Qualidade e Processos. “A determinação foi: você agora vai fazer a gestão do que você vinha criticando.” E ele admite: “foi um banho de humildade.”
Como esperado, ao chegar em uma área que criticava bastante, o clima estava tenso. Segundo Vítor, a TI na época, estava muito distante das áreas de negócios e a instituição pedia muito mais. “Diante do quadro, foi necessário um choque de gestão, incluindo a modificação de vários processos básicos, um desafio considerável mas necessário pois a área vinha sofrendo com a baixa satisfação interna”.
A equipe aderiu a seus novos métodos e uma das primeiras iniciativas foi a determinação de que os chamados fossem atendidos in loco, ou seja, nada mais de abertura de chamados e espera até que estes fossem processados. “Ao invés disso, o profissional de TI deveria ir até a área demandante para entender qual era o problema”, reforça.
Ele lembra que quando instituiu este procedimento houve um desconforto geral na equipe pois não era algo padrão até então para a TI. Mas a ordem foi colocada em prática e, segundo Vítor, foi o que começou a fazer toda a diferença. Outra determinação foi o atendimento imediato das solicitações dos médicos feitas por meio de grupos compartilhados, resolvendo de maneira dinâmica e colaborativa pendências que poderiam atrapalhar algum procedimento ou uma consulta.
Vítor diz que pegou uma a uma as reclamações encaminhadas para a TI e verificou que as áreas internas não percebiam o trabalho realizado remotamente e que com a presença do profissional de tecnologia diretamente no local a percepção mudou, “eles estavam sendo atendido em sua demanda. Desburocratizar, simplificar e sentir a dor de quem está do outro lado, aproximando a TI das expectativas do cliente”, defende Vítor, acrescentando que o resultado da transformação foi maravilhoso. E os números são a prova disso. “Quando entrei na área, em 2016, o índice de satisfação com a TI era de 12% e quando saí, no início de 2024, ele havia subido para 94%.”
“Minhas críticas nunca foram vazias. Havia uma lacuna, de fato, e este processo fez com que a parceria entre a TI e as demais áreas acontecesse de forma mais fluida. Sempre fui um cara de parcerias e sempre estive aberto a ouvir. Foi uma troca”, acrescenta. O executivo diz ainda que o que a transformação que capitaneou mostrou foi que havia um espaço que não era ocupado pela TI exatamente porque a TI estava distante do negócio. “Eu dizia que se não houvesse um problema, um vazio no processo padrão, eu não estaria no cargo de CIO”.
Vítor afirma que toda esta mudança empoderou a TI a ter discussões mais profundas também com os fornecedores em busca de soluções que agregassem maior valor às soluções adotadas pelo hospital. “Nasceram relações muito boas e aquilo que aconteceu com TI aconteceu também com os fornecedores. Eles próprios foram entender melhor as necessidades do negócio”.
O executivo admite que no começo em vários momentos das conversas ele não entendia a parte mais técnica, mas sempre levava alguém da liderança de TI para as reuniões. Em busca de ajuda para trocar ideias a respeito de TI em Saúde, Vítor conheceu a ABCIS – Associação Brasileira de CIOs da Saúde. Ele admite que se aproximou da entidade buscando acelerar o conhecimento das melhores práticas de TI , de networking mas também com muito preconceito com algumas diretrizes gerais que a TI defendia naquela época. “Fiz o papel do usuário chato, mas hoje me sinto qualificado porque tive o apoio das pessoas da instituição e me transformei em um grande defensor da transformação digital na Saúde”.
A tal ponto que virou presidente da associação e acaba de ser reeleito para o segundo mandato no biênio 2024-26. Neste papel, Vítor defende o que define como três pontos essenciais para o executivo de TI da Saúde: a MATURIDADE TECNOLÓGICA, para saber como e o que adquirir; a OBSOLESCÊNCIA DOS EQUIPAMENTOS, para pensar sempre no ciclo de vida dos equipamentos, e a QUALIFICAÇÃO DOS GESTORES HOSPITALARES com um currículo mínimo que inclua a gestão da transformação digital.
Desde abril de 2024 à frente da TI do Hospital Pediátrico Sabará, em São Paulo, Vítor tem por objetivo fomentar a acelerar a transformação digital com foco na jornada dos pacientes e familiares e a melhoria dos processos internos. “Meu desafio é consolidar um hospital mais inteligente, sem papel, com foco em processos de apoio ao corpo clínico, enfermagem, nutricionistas, etc, para que o profissional foque seu tempo em exercer o seu papel, além de soluções e serviços para facilitar a comunicação do paciente com a instituição, encontrando fluxos mais inteligentes e ágeis.
*Stela Lachtermacher é jornalista de TI, com atuação como editora e colunista no Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Editora Abril e diretora editorial na IT Mídia. Hoje tem sua própria empresa, a Candelabro, onde trabalha na produção de conteúdo para todas as plataformas editoriais e participa do Conselho Editorial da Decision Report.