Em 2015, a angolana Yara Alexandre Almeida Francisco teve sua filha Jacira, diagnosticada ainda durante a gestação com uma doença rara: encefalocele, uma má formação craniana, que faz com que parte do cérebro fique exposta e suscetível a traumas.
A criança precisaria passar por uma cirurgia de alta complexidade que não é realizada em Angola, por isso os especialistas daquele país aconselharam a mãe a vir ao Brasil para realizar o procedimento. Devido à gravidade e raridade do caso, já que a doença afeta apenas um em cada 40 mil nascidos no mundo, o Governo Angolano subsidiou a vinda da família ao Brasil.
A complexidade do caso também foi determinante para que os dois médicos decidissem fazer o planejamento cirúrgico usando biomodelos impressos em 3D. Produzidos pela BioArchitects, na impressora 3D Stratasys J750, a partir de exames da própria paciente, os biomodelos reproduziram fielmente o problema específico para melhor visualização dos médicos. A BioArchitects sensibilizada com o caso de Jacira doou os biomodelos.
Muito frequentemente os cirurgiões têm de confiar em leituras 2D ou em modelos genéricos para desenvolver práticas personalizadas para as cirurgias. Assim como ocorre com as impressões digitais, não há dois problemas ou duas anatomias iguais, o que representa um grande desafio para os cirurgiões, que têm como objetivo proporcionar o melhor atendimento profissional e personalizado.
“Com o apoio do SIEDI e da BioArchitecs, que produziu os biomodelos em 3D, Jacira pode ser operada com recursos tecnológicos utilizados pelo Boston Children’s Hospital, que é uma referência mundial em cirurgias infantis de alta complexidade”, comemora a Dra. Giselle.
Estudos
Em território nacional, a mãe procurou especialistas do Hospital Santa Marcelina para começar o tratamento. O caso de Jacira foi passado para a neurologista Giselle Coelho e para o cirurgião plástico Maurício Mitsuro Yoshida, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. Isto porque patologias raras, como encefalocele, são um desafio até mesmo para os profissionais mais experientes, devido a pequena quantidade de pacientes identificados até hoje.
Jacira tinha apenas um ano de idade e todo cuidado era necessário para garantir o sucesso da intervenção, pois em cirurgias de encefalocele, que requerem a ressecção da parte herniada do cérebro, há um risco sério de hemorragia e de sequelas para o paciente. A incisão também deve ser planejada de modo a minimizar possíveis cicatrizes. No caso da menina, isto era especialmente importante porque seu problema se localizava região frontal e exigia a remodelação craniana para fechar a falha óssea em seu rosto.
Por esta razão, a neurologista, que é diretora científica do SIEDI (Scientific Innovation and Education Development Institute), há quatro anos, pediu apoio à instituição que cedeu espaço para a realização do planejamento cirúrgico e treinamento dos residentes, que auxiliariam no procedimento, ocorresse em sua sede.
“Antes, o planejamento preparatório, que sempre realizamos, era baseado em exames, como tomografia e ressonância magnética. Com o uso de biomodelos impressos em 3D foi possível ver e avaliar detalhes da anatomia da própria paciente que seria operada”, explica o Dr. Yoshida. Segundo ele, foram realizados procedimentos diversas vezes na réplica da paciente e com isso foi possível discutir diversas metodologias e riscos da intervenção.
Planejamento
Com alguns dias de planejamento cirúrgico, que permitiram definir o melhor acesso e a melhor técnica a ser utilizada, mostrando aos residentes e jovens cirurgiões como seria o procedimento, com detalhes milimétricos das osteotomias, bem como as possíveis complicações a serem prevenidas, foi agendada a intervenção.
Além de ser utilizado para a preparação dos cirurgiões e equipe, com o biomodelo impresso em 3D em mãos, Yara, mãe de Jacira, pode compreender o que seria feito, o que lhe proporcionou maior segurança e tranquilidade.
A cirurgia bem-sucedida foi realizada em maio deste ano, no Hospital Santa Marcelina. Para a equipe multidisciplinar os principais benefícios foram a modificação da técnica, evitando a necessidade de uma nova operação no futuro, diminuição do volume necessário de transfusão sanguínea e redução do tempo intraoperatório em 2h30.
Recuperação
O sucesso consistiu também na recuperação mais rápida da menina, resultante do menor tempo cirúrgico e anestésico, que diminuiu também a possibilidade de ocorrência de infecções. O tempo de UTI pós-operatória, por exemplo, foi reduzido de 36 para 15 horas. Além disso, Jacira não teve nenhuma alteração em seu desenvolvimento neuropsicomotor e apresenta uma evolução adequada para a idade, constatada no acompanhamento pós-operatório.
“O caso de Jacira é um exemplo que reforça como a tecnologia de impressão 3D pode auxiliar a formação e o aperfeiçoamento dos profissionais da área de saúde, especialmente dos médicos. Esta constatação se baseia no fato desta tecnologia possibilitar o desenvolvimento de clones sintéticos de problemas reais dos pacientes para serem estudados e operados, antes do procedimento real”, conclui Felipe Marques, CEO da BioArchitects.