Em 2025, serviços envolvendo inteligência artificial devem movimentar US$ 36,8 bilhões, segundo estimativas da Intel. Dados apontam que em 2016, Google, Facebook e a Microsoft investiram cerca de US$ 20 bilhões na área. No Brasil, os números são mais modestos. Neste ano, o Sebrae, que produziu relatório sobre o tema, projeta gastos de US$ 182 milhões com IA.
Mesmo com investimentos mais tímidos, o Brasil é o segundo país do mundo que mais utiliza o Watson, motor de inteligência artificial da IBM. “As empresas brasileiras já entenderam que têm condições de utilizar a IA para melhorar seus negócios. Não são apenas as grandes, muitas startups utilizam o Watson”, destaca o líder de vendas da ferramenta no Brasil, Roberto Celestino. Cerca de 20 tipos de indústrias utilizam o Watson hoje. “No setor bancário, a BIA do Bradesco. Na educação, as universidades Anhembi Morumbi são outro exemplo. Instituições de ensino utilizam inteligência artificial para o relacionamento com o aluno ou para ajudar na jornada de estudos”.
Emoções
O Watson é o motor de inteligência artificial da IBM lançado em 2011. O computador enfrentou os dois maiores campeões de Jeopardy (programa de televisão de perguntas e respostas) e ganhou o desafio.
A ideia básica da introdução de inteligência artificial é ajudar o ser humano em tarefas corriqueiras. “O Watson, por exemplo, tem condições de tomar melhores decisões que os seres humanos para produtividade. Ele analisa rotina, tem parâmetro e não é suscetível a questões emocionais, pelo menos não agora. Isso facilita que as tomadas de decisão sejam melhores por inteligência artificial”, destaca o Presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira.
A indústria é um dos setores que tem se destacado na utilização de inteligência artificial. Para Ferreira, a introdução da ferramenta tem condições de aumentar a produtividade.
A startup I.Systems, situada em Campinas (SP), atua com IA para o setor produtivo desde 2007. Eles utilizam um programa de computador para entender as rotinas das indústrias e melhorar a produtividade, como explica um dos fundadores, Igor Santiago. “O nosso sistema é configurado, sem interrupção da produção. A partir da configuração, o sistema continua aprendendo, e ele vai se adaptando para gerar ainda mais economia”.
Uma das principais atuações do programa é em caldeiras de geração de energia das indústrias. Neste ramo, a startup estima que a inteligência artificial gere uma economia de 2% a 10%. A caldeira normalmente abastece de energia os equipamentos da fábrica. Como são muitas máquinas distribuídas em longas distâncias, o gerenciamento sobre a quantidade de energia necessária para cada momento da produção é complexo. “O nosso sistema fica observando quando são ligados e desligados os equipamentos. Com isso conseguimos aumentar a quantidade de energia gerada pela caldeira quando prevemos que uma máquina vai entrar em operação”.
Um aprendizado acontece com a IA analisando os dados de curto prazo, outro é feito na nuvem – local de armazenamento de conteúdo na internet –, quando a inteligência artificial reúne dados de meses ou anos para fazer esse aprendizado. “Depois de aprender com o próprio ciclo de produção são enviadas informações para a nuvem. Nós aplicamos algoritmos para realizar melhorias em grande quantidade de dados”, explica Santiago.
O professor de engenharia de software da Universidade de Brasília (UnB) Sergio de Freitas explica que a inteligência artificial trabalha bem neste tipo de competência porque chega ao mesmo resultado dos humanos de forma muito mais rápida. “Muitas vezes os computadores vão fornecer informações que só os especialistas poderiam alcançar. Através de diversas formas ela consegue verificar o que é correto, desvios do correto. É como um ser humano se comporta, mas com uma velocidade maior”.
Pensando nesta velocidade, a General Motors (GM) está implementando na fábrica da Chevrolet em São Caetano do Sul (SP) inteligência artificial para o controle de qualidade. O gerente de tecnologia da montadora, Carlos Sakuramoto, explica que a IA vai atuar na revisão da pintura dos automóveis. “Nós identificamos que a percepção da estampagem era diferente entre nossos inspetores. Eles passam por treinamentos para que todos tentem enxergar o mesmo tipo de defeito. As distorções são micrométricas”.
Como a montadora é global, existem inspetores no mundo todo responsáveis por analisar a estampa das latarias. Segundo Sakuramoto, não existe nenhum sistema que consiga avaliar a percepção visual humana. “O cliente, quando olha uma estampagem perfeita, algo atrai o olhar, mesmo que ele não saiba o que é. Por isso queremos padronizar essa avaliação”.
A inteligência artificial foi desenvolvida pela startup Autaza. A empresa de base de tecnologia foi criada depois que a GM buscou na universidade inteligência para criar uma solução tecnológica. “Os três sócios fundadores da Autaza eram pesquisadores deste projeto. Nós decidimos empreender e levar essa aplicação para outras áreas”, lembra Renan Padovani, um dos criadores da startup. A inteligência artificial trabalha com um banco de dados. “O sistema tem um treinamento de rede neural. Ele aprende os defeitos que deve encontrar, em um banco de dados de defeitos”. O sistema faz fotos da lataria dos veículos que são envidas para análise. O programa de computador consegue classificar os eventuais problemas.
A estimativa da Autaza é que exista uma redução de 60% no retrabalho. “Muitas vezes a inspeção de qualidade da montadora erra a severidade do defeito. Em 60% dos casos eles classificam como mais grave o problema. O retrabalho se torna mais trabalhoso. Com a classificação correta do erro, o retrabalho é menor”, explica Padovani.
Outro benefício é a varredura em toda a produção, como destaca o gerente de tecnologia da GM. “Faremos uma análise de 100% da produção numa velocidade muito maior. Anteriormente, a inspeção era feita por amostragem, retirando da produção, ou aproveitamos alguma parada. Agora o sistema é contínuo e em tempo, ele garante ganho de produção e qualidade”, aponta Sakuramoto. Atualmente o sistema está em fase de validação para ganhar escala mundial. Depois de comprovadas a eficiência e a segurança, a inteligência artificial para inspeção de lataria deve ser instalada em outras plantas até 2020.
As máquinas no poder?
Um dos principais desafios da inteligência artificial é a segurança da instalação da IA. A GM está fazendo os testes em sistema fechado, os computadores não estão ligados na rede. A estratégia de fracionar os conteúdos para garantir a segurança também é utilizada pela IBM, conforme explica Roberto Celestino. “Sempre que alguém cria uma conta na IBM Cloud aquela parte é daquela pessoa. Tudo que for criado é da pessoa. Eu, como IBM, não tenho acesso aquela informação a não ser que você me permita”.
Além da segurança de dados, outro ponto em debate na inteligência artificial é a própria possibilidade de aprendizado da máquina. Filmes de ficção cientifica como “O Exterminador do Futuro” e “Matrix” pintaram futuros apocalípticos envolvendo IA. No sucesso cinematográfico do final dos anos 80, protagonizado por Arnold Schwarzenegger, a Skynet – inteligência artificial altamente avançada – evoluiu e viu a humanidade como uma ameaça à sua existência. A solução encontrada pela máquina foi a aniquilação do planeta Terra. Seria possível de acontecer algo assim?
Especialistas divergem sobre essa possibilidade. Celestino aponta que o Watson, por exemplo, só aprende algo para o qual foi programado para aprender. “A inteligência artificial não tem vontade própria. Ela deve fazer aquilo para o que ela foi treinada. No caso de Watson, se eu treinei para responder sobre determinado domínio de conhecimento, qualquer coisa diferente daquilo, ela não vai conseguir fazer”. O especialista ainda lembra que a IBM e as outras grandes desenvolvedoras têm um acordo ético. “O objetivo é que possamos desenvolver a tecnologia pensando na utilização de forma mais ética possível. Temos que trazer facilidade para o ser humano”.
O professor da UnB Sergio de Freitas lembra que essa preocupação já era debatida na robótica. O desenvolvimento de robôs deve respeitar três leis: a máquina não pode ferir um ser humano, um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos e, por último, ele deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou segunda premissas. “Eu não acredito neste mundo apocalíptico não. Se a gente considerar a aprendizagem de máquina e ela puder aprender a partir de boas intenções, eu acho que ela iria aprender boas intenções também. Assim como uma criança”.
O Presidente da ABDI, Guto Ferreira, já pensa diferente. “A inteligência artificial já aprende visualmente. Então, à medida que ela vai vendo atitudes agressivas, ela pode achar aquilo normal. O Japão, pensando nisto, faz os consumidores de robôs para tarefas domésticas assinarem um termo. A ideia é não ter atitudes agressivas perto deles”. Mas Ferreira também lembra que ela pode ter um papel fundamental num ambiente competitivo, onde se busca cada vez mais produtividade.