Vivemos tempos exponenciais. Quase diariamente somos surpreendidos por novas respostas aos grandes problemas da humanidade ou a inovações que impactam a vida de milhões de indivíduos por todo o mundo. Essas inovações têm o poder de redesenhar indústrias ou questionar a sua existência, conferindo-lhes muitas vezes o estatuto de “Disrupções”.
No final do ano passado, empresas de diferentes setores apresentaram inovações que impactaram positivamente o mercado de maneira geral. Os americanos ganharam inteligência artificial no ano passado graças aos dois projetos conduzidos pela Amazon. O primeiro inovou o comércio no varejo – o Amazon GO. Com a iniciativa o consumidor não tem interação com funcionários da loja ou com um caixa automático, basta possuir uma conta Amazon e um aplicativo gratuito no smartphone, pronto, já é o suficiente para fazer o check in na loja física, comprar, pagar e, simplesmente sair. A loja piloto está em funcionamento em Seattle. Outro projeto que surpreendeu o mercado foram as vendas da “assistente pessoal inteligente” Alexa, também da Amazon – que, em dezembro, atingiram recorde nos Estados Unidos, transformando o produto num dos best sellers da companhia para o período de Natal.
Outra revolução apresentada para o mercado foi realizada pelo Pacific Northwest National Laboratory. O laboratório anunciou um processo capaz de converter rapidamente dejetos humanos em petróleo bruto. Ao recriar as condições geológicas que a natureza utiliza para produzir o hidrocarboneto, a instituição descobriu como fazer o processo, que normalmente leva milhões de anos, em alguns minutos.
No setor de transporte, a AB InBev e a Otto – empresa de tecnologia adquirida pela Uber – anunciaram em parceria a primeira viagem de um caminhão sem condutor, carregado de Budweiser, numa rodovia do Colorado. Já na China, em Qingdao, um carregamento de algodão proveniente do Texas foi a primeira transação de mercadoria suportada pelas tecnologias Blockchain e Internet of Things (IoT), organizada entre os bancos Commonwealth Bank, da Austrália, e Wells Fargo, dos Estados Unidos.
Digitalização no varejo, inteligência artificial em casa, fonte de energia fóssil produzida em minutos, meios de transporte driverless, e cadeias logísticas e burocracia associada suportada por meios digitais são mais do que motivos para comemorar a vivacidade do empreendedorismo e da inovação em escala global. Contudo, esses exemplos são apenas uma pequena amostra do que aconteceu em apenas três meses e uma microscópica amostra do que aconteceu no ano.
A inovação de um modo geral possibilita uma aceleração drástica da Destruição Criativa na economia, além de desenvolver outros atributos, como o crescimento exponencial na massa global de pessoas altamente qualificadas, só na China, o maior produtor de Ph.Ds da atualidade, o número de doutorados aumentou cerca de 300% entre 2002 e 2010. A globalização dos principais mercados, centros de conhecimento e ideias (se pensarmos no tráfego de internet cross-border como um indicador dessa globalização, vale referir que o mesmo cresceu dezoito vezes entre 2005 e 2012), e a quantidade e qualidade de polos públicos e privados de criação e investigação (de incubadoras de empresas a laboratórios). Outro ponto foi o acesso ao capital privado para aceleração de inovação, e a facilidade de testar ou implementar a “baixo custo” por meio de ferramentas digitais. Todos estes fatores criaram uma oportunidade histórica para alcançar os tempos exponenciais que o planeta vive na atualidade. Se o século XX viu quintuplicar o PIB global per capita, o que esperar para o século XXI com este conjunto de catalisadores radicalmente diferentes.
É num cenário de variáveis desconhecidas e de impactos incertos que se verifica o “business as usual” das mais variadas indústrias, tentando operar com foco na “eficiência” e criando um ilusório “ceteris paribus” para maximizar o conforto de curto prazo. Apesar dessa visão de gestão do negócio permitir a sobrevivência em ambientes econômicos fechados e altamente regulados, dificilmente será uma lógica vencedora em um mundo aberto no qual as preferências dos consumidores ditam as regras.
Estamos no momento de assistir ao embate entre novos entrantes como a Uber, o WhatsApp ou a Tesla Energy (empresa da Tesla que produz baterias e soluções de produção de energia para casa), além de incumbentes de indústrias monopolísticas como energia, telecomunicações ou transporte, em que o caráter capital intensivo e/ou a regulação evitavam a disrupção. Hoje, nenhum setor está livre da disrupção e os consumidores estão mais que nunca no comando de suas escolhas, impondo suas regras a empresas e governos.
As organizações precisam lidar com este novo contexto de uma forma diferente do que têm feito em muitos casos. Em vez de evitar a disrupção, as companhias e seus gestores devem ser capazes de abraçá-la e, em sua reflexão estratégica, repartir de forma equitativa a atenção entre o “business as usual” e o “what’s next?”. Dessa forma, empresas que estariam correndo o risco de ser “disrupted” poderão arriscar se tornar “disruptors”. Uma nova disciplina ou tecnologia de gestão são necessárias na empresa para que se possa ambicionar tal mudança: a gestão da disrupção. Para tanto, processos e estruturas flexíveis deverão garantir três fatores fundamentais.
Esta nova tecnologia de gestão, que se materializa em processos e estruturas, terá de garantir 1) uma captura eficiente de conteúdos de impacto, 2) a utilização desse conteúdo para transformar o negócio e, por último, 3) agilidade da execução. No entanto, não será possível instalar essa nova tecnologia de gestão sem o alinhamento dos Executivos e, em alguns casos, dos próprios Acionistas sobre o duplo enfoque no “business as usual” e o “what’s next?”. A liderança tem que compreender essa nova forma de estar no mundo dos negócios como o novo paradigma de sobrevivência. Dessa forma, poderá incorporar um modelo de reflexão estratégica e monitoramento da estratégia que traga essa dualidade para o centro da discussão executiva.
Como a sua organização está preparada para viver em tempos de “Disrupção”?
* Miguel Duarte, Partner da Ernst & Young Brasil nas áreas de Estratégia e Inovação