A história de uma quase médica
Cláudia Anania, CIO da Fundação Butantan, chegou a cursar a área de Biologia no então Colegial com a intenção de atender a um desejo da mãe de ter um filho médico. Mas eis que no meio do caminho apareceu um CP-500, um dos primeiros microcomputadores produzidos no Brasil, fabricado pela Prológica, e isso mudou para sempre seu rumo profissional… O computador, que pertencia ao irmão mais velho, foi parar no quarto de Cláudia e ela resolveu mexer. “Adorei aquilo e pensei: acho que não vou fazer medicina, vou fazer computação.” “Foi paixão mesmo”, completa, “eu adoro tecnologia, adoro inovação. Chego a não entender porque as pessoas vão em busca de antiguidades”, diverte-se.
Cláudia prestou vestibular e entrou para a primeira turma de Computação da PUC de São Paulo onde, na época, sequer havia computador. “Fazíamos programa no papel até que, mesmo se dizendo tímida, liderou um movimento para que a universidade adquirisse microcomputadores e montasse um laboratório de computação. Neste meio tempo, fez cursos de verão na USP – Universidade de São Paulo, onde já havia computadores.
Seu primeiro estágio foi em uma software-house e adorou programar e o primeiro emprego foi na Elebra, fábrica de impressoras, onde conheceu conceitos como MRP- Material Requirements Planning e Just in Time. Logo depois de formada foi convidada para dar aula na própria PUC, onde havia estudado. Na Elebra, participou da escolha e implantação do sistema de gestão, o Datasul, e de todo o processo de downsizing com a adoção de microcomputadores. Foi então chamada para trabalhar na Datasul, na área de treinamento de clientes, aproveitando a didática adquirida nas aulas que dava na faculdade.
Tempos depois, Cláudia foi para a Editora FTD, onde permaneceu por 11 anos e entre os desafios viveu a implementação do sistema de gestão com a integração da área fabril com a editorial. Na Multigrain, uma trading que atua na área agrícola, também implantou o sistema de gestão e em seguida seguiu carreira na Unigel, empresa do setor Petroquímico onde permaneceu por dez anos percorrendo o caminho de analista sênior até diretora de TI, em seu primeiro cargo executivo.
Já fora da empresa, durante a pandemia Cláudia se juntou a um grupo voluntários de TI com o objetivo de desenvolver um aplicativo que, a partir de dados do Datasus, alertaria as pessoas sobre contatos que teriam tido com alguém infectado que tivesse notificado ao Ministério da Saúde. Neste momento, em 2020, surgiu a oportunidade na Fundação Butantan. A Fundação Butantan é um órgão de apoio ao Instituto Butantan que em conjunto com a chinesa Sinovac produziu a primeira vacina anti-Covid-19 aplicada no Brasil. O Instituto, fundado em 1901, pertence ao governo do Estado e é ligado à Secretaria da Saúde. A Fundação foi criada em 1989 e é um órgão privado de apoio ao Instituto.
No Instituto Butantan Cláudia teve a oportunidade de participar do Projeto Serrana, cidade do interior de São Paulo onde foi aplicado um teste de eficácia da vacinação na população local, que totalizava 50 mil habitantes. Ela conta que a TI teve um papel fundamental, iniciando pelo mapeamento físico do local até o censo da população do município para evitar que pessoas de fora se registrassem irregularmente para receber a vacina. “Foi muito desafiador. A TI teve que montar toda a estrutura”, diz Cláudia, e acrescenta que participar desta vacinação foi muito emocionante. “Além do trabalho em si tinha uma questão social muito importante.” A TI do Butantan recebeu diversos prêmios naquele ano pelo Projeto Serrana.
Cláudia conta que somente depois da pandemia foi que conseguiu avaliar a real situação da TI da Fundação Butantan. “Eu tinha sido chamada para estruturar a área e promover a transformação digital na instituição, mas fiquei muito envolvida com as ações da pandemia em si e só depois pude tomar pé da situação. E realmente tinha muito coisa a ser feita. A TI atuava basicamente no suporte e não trazia contribuições ao negócio da instituição.”
Foi quando teve início a virada da TI do Butantan, hoje composta por 90 pessoas, começando por uma aproximação com as áreas de negócio para entender as necessidades de cada uma. Cláudia criou então alguns segmentos dentro da TI. O primeiro foi o de Ciência de Dados, para apoiar na compilação dos dados da pandemia e mostrar para a gestão como a transmissão do vírus estava acontecendo. O passo seguinte foi o estabelecimento da governança de TI, para determinar políticas e procedimentos, além de uma área de segurança da informação e uma de desenvolvimento de sistemas, juntando profissionais que antes ficavam em outros departamentos. “Na ocasião, percebi que o ERP que estava sendo implantado não era coerente com as necessidades do Butantan que tem de atender as normas da Anvisa. Temos muita regulação e precisamos de um sistema com bastante rastreabilidade e totalmente auditável.”
O projeto daquele ERP foi descontinuado e foi implementado o SAP no prazo de um ano. “Foi bastante desafiador, mas conseguimos fazer no prazo e no custo que havia sido planejado e ele entrou em operação em maio de 2023, exatamente um ano após o início.” Cláudia destaca que um desafio grande da TI do Butantan é que a área tem de atender públicos muito distintos como a parte administrativa; fabril, de fabricação das vacinas; além de uma área cultural com o Parque da Ciência e Museus; uma parte de Pesquisa e a Escola Superior do Instituto Butantan. “Tem coisa que no mundo corporativo não faz sentido, mas faz todo sentido para a área da Pesquisa. Temos que pensar muito bem em como atender a todos esses públicos nas suas necessidades sem que um atrapalhe o outro.”
A IA generativa já é usada no Butantan em um teste no departamento de RH, onde foi criada uma base de dados com as questões mais procuradas, incluindo o acesso ao holerite e programação de férias, de forma a atender melhor o colaborador e reduzir a demanda aos analistas de recursos humanos que muitas vezes, segundo Cláudia, tinham que atender a dúvidas simples que agora podem ser consultadas e esclarecidas diretamente via chat. Um modelo semelhante já está sendo pensado para a própria área de TI j para este ano.
Outro projeto em prática usando IA generativa foi implantado no departamento de Manutenção. Como o Instituto trabalha com equipamentos de diversas nacionalidades, o técnico tem que, de acordo com a demanda, localizar o manual que muitas vezes não está em português. Hoje, a partir de uma base de dados criada com os manuais, o sistema localiza o manual e o ponto a ser consultado e já traz a resposta traduzida para o português.
Cláudia adianta os próximos passos da TI do Butantan como a integração do sistema de chão de fábrica, usado na produção de vacinas, com o SAP evitando duplicidade de dados e facilitando a tomada de decisão assim como com o sistema do laboratório. Outros projetos usando IA estão sendo desenvolvidos buscando retorno para o Instituto em termos de redução de custos e/ou de melhora de processos. Também para este ano está programada uma restruturação na área de infraestrutura e está em análise a transferência de parte do acervo do datacenter interno para nuvem pública, além da implementação de novas ferramentas de segurança da informação e um redesenho das aplicações desenvolvidas internamente de forma a melhorar a usabilidade. “Nosso objetivo é ter a TI do Butantan como uma TI madura, que apoia a área de negócios e que seja proativa com relação aos problemas, agindo de imediato, reduzindo o tempo de retorno do atendimento.”