Edit Content

Menu

Como elevar a participação das mulheres em posições de liderança STEM além dos atuais 12,4%

Como elevar a participação das mulheres em posições de liderança STEM além dos atuais 12,4%

A presença de mulheres em posição de direção nas empresas brasileiras de tecnologia serve de fonte de esperança e incentivo para outras profissionais considerarem STEM na hora de definir suas carreiras

Compartilhar:

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on email
Share on whatsapp

*Por Franciele Nogueira e Camila Velloso

 

A inclusão da mulher no mundo STEM (Science, Technology, Engineering and Math – Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) é uma jornada em progresso. Conquistas estão acontecendo, mas ainda há muito a se fazer. De acordo com o estudo Global Gender Gap Report 2023 do World Economic Forum o Brasil, um dos maiores países da América Latina, está na 57º posição  no ranking global de 146 países em relação à igualdade de gênero. Trata-se de um avanço impressionante em relação ao ranking de 2022, quando o Brasil estava na 94º posição. É um sinal de que o país está trabalhando para avançar nos vários indicadores que estão por trás deste ranking.

 

No contexto global chama a atenção o fato de que, no setor internacional de tecnologia – onde o domínio das disciplinas STEM é essencial –, a presença da mulher em posições de liderança é limitada. O estudo do World Economic Forum revela que, em todo o mundo, a participação da mulher em posições sêniores de liderança como vice-presidentes e diretores em STEM é de apenas 12,4%. A foto do topo da pirâmide da indústria de tecnologia reforça a tendência que começa com o recrutamento de estudantes STEM: apenas 36,6% dos alunos destes cursos são mulheres.

 

A ONU estima que, por volta de 2050, 75% de todas as posições profissionais serão relacionadas às disciplinas STEM. Com números como estes, é crítico prestar especial atenção à educação e participação da mulher neste universo. As estatísticas são perturbadoras. De acordo com a UNESCO, somente 35% dos formados nas áreas de STEM são mulheres.

 

No Brasil, dados do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia) de 2019 revelam que, em todo o país, apenas 35% dos bolsistas de cursos de mestrado em ciências exatas são mulheres. Nas áreas de engenharia e computação, essa marca baixa para 33,6% dos bolsistas. Nas disciplinas de humanas, por outro lado, a presença de mulheres cursando o mestrado é maciça: 66%. O mesmo relatório revela que os fundos para projetos de mestrado das áreas de humanas são até 60% menores do que os disponibilizados para teses das disciplinas STEM. Essa situação acaba reforçando estereótipos, entregando mais oportunidades a um único gênero.

 

O quadro é agravado pela diferença salarial entre homens e mulheres. Um estudo de 2023 da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC) mostra que a presença feminina em posições que exigem o domínio das disciplinas STEM é de 28,46%. Esse índice foi construído a partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), relatório de informações socioeconômicas criado a partir de dados entregues ao Governo Federal por empregadores de todo o Brasil. Em Santa Catarina, em particular, profissionais homens com formação em STEM ganham em média R$ 6.908,01 – mulheres realizando o mesmo trabalho atingem o valor de R$ 5.170,06.

 

O impacto desta realidade sobre a economia brasileira é expressivo. Um estudo realizado pela Brasscom – Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais em 2021 indica que, até 2025, 797 mil empregos serão gerados no setor de tecnologia. Tudo indica que essa demanda não será atendida, pois há falta de profissionais capacitados nestas áreas no Brasil. A previsão é de um déficit anual de 106 mil talentos com expertise em STEM. A reduzida presença de mulheres neste contexto contribui para essa situação.

 

Um mundo digital com poucas mulheres é um universo mais pobre. De acordo com o UN Gender Snapshot 2022 report, da ONU, esse quadro retirou da economia de países com renda baixa ou média US$ 1 trilhão nos últimos 10 anos. Se nada for feito para corrigir isso, as perdas poderão chegar a US$ 1,5 trilhão até 2025.

 

Há, no entanto, práticas que, na nossa visão, podem contribuir para suavizar o acesso de mulheres a cursos da área de STEM e a posições profissionais na economia digital brasileira. Esses pontos dizem respeito a realidades enfrentadas não só por nós duas, mas por todas as mulheres e que exigem transformação.

 

Exemplos de mulheres bem-sucedidas em STEM – Curiosamente, quando as mulheres fazem escolhas de um currículo educacional ou uma carreira, elas costumam ser atraídas por áreas onde veem mulheres de sucesso. É uma situação “galinha-ovo” – se poucas mulheres entram no campo STEM, haverá poucos exemplos de mulheres de sucesso nesta área. Por meio de encorajamento, mentoria e suporte para mulheres interessadas neste caminho, haverá mais exemplos de mulheres de sucesso. A presença de mulheres em posição de direção nas empresas brasileiras de tecnologia serve de fonte de esperança para as mulheres considerarem STEM na hora de definir suas carreiras.

 

Trata-se de uma inspiração que não é nada teórica, e inclui uma dura jornada que alia trabalho e formação contínua. Esses exemplos de mulheres bem-sucedidas em STEM devem ir além do universo da empresa e atingir escolas, comunidades e outros ambientes onde há meninas e mulheres que precisam acreditar que a mudança é possível. Vale destacar, ainda, que o impacto positivo do suporte da família não pode ser ignorado. Para uma das autoras, vir de uma família de engenheiros proveu a ela um ambiente de suporte em que sua entrada no mundo STEM era não só encorajada, mas nutrida. Contar com membros da família que compreendem os desafios e as oportunidades do setor provê valiosa orientação e mentoria. Isso incentiva a mulher a se destacar na carreira STEM.

 

Iniciativas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) – É fundamental que as empresas de tecnologia priorizem a diversidade. Programas de Diversidade e Inclusão podem encorajar as mulheres – além de outros grupos – em suas empresas e suas áreas. Na verdade, a meta é levar a bandeira DEI para comunidades menos favorecidas em geral. Isso inclui desenvolver programas e campanhas voltados para meninas e mulheres de todas as raças desde a educação fundamental até a universidade. Trata-se de apresentar a economia digital brasileira como um espaço que precisa de mulheres e deseja receber profissionais mulheres. É uma semeadura de esperança que inclui vários públicos-alvo, apresentando uma visão pragmática, a partir de exemplos e de ações educativas, de um novo Brasil digital. Nós duas somos parte desta jornada e estamos envolvidas em programas DEI.

 

RH – Em conjunto com o time de DEI, o RH pode ajudar a mudar o mundo. Para isso, é necessário adotar uma postura ativa de ir ao encontro de estudantes e jovens profissionais com potencial para participar dos programas de recrutamento para posições que exigem o domínio das disciplinas STEM. A seleção para ocupar uma vaga deve ser focada na competência do (a) candidato (a). Mas campanhas de recrutamento e orientação ajudam essas jovens mulheres a compreender as oportunidades em organizações de tecnologia e a educação necessária para conquistar essas posições profissionais. O processo de recrutamento tem de ser amplo, trazendo mais pessoas para conhecer a empresa e apresentando os benefícios de se trabalhar ali. Isso inclui oferecer grupos de apoio ao colaborador, espaços de comunidade e mentoria para pessoas novas em posições STEM. Nós acreditamos que isso é um dos pontos críticos para se expandir a presença feminina nas posições profissionais STEM.

 

O papel dos líderes – Nas empresas, o gestor – homem ou mulher – é crítico para o suporte às mulheres que atuam com disciplinas STEM. A entrega de feedback do líder para a colaboradora mulher é um momento com foco em resultados que ilumina a jornada da profissional e, ao final do dia, pode colaborar para a construção de uma sólida autoestima. Outro ponto de destaque é que, no passado, era comum que as jovens mulheres profissionais ou outros profissionais não típicos adotassem uma “mudança de código” – alterando a forma de se apresentar no ambiente de trabalho para facilitar sua inclusão num time principalmente masculino e homogêneo. Isso pode incluir mudar a forma de se vestir, esconder seus reais interesses e hobbies, alterando sua “personalidade de trabalho” para facilitar sua adaptação. Em teoria, esses dias ficaram no passado. Organizações estão incluindo a diversidade em sua missão e valores, suportando uma cultura onde a mulher e outros profissionais não típicos serão tratados da mesma maneira que um homem sem, no entanto, ter de negar seu eu autêntico.

 

O líder desempenha um papel crucial na construção de um ambiente de trabalho seguro e que suporta a mulher, provendo equidade em oportunidades e pagamento. Líderes precisam exigir palavras e comportamentos respeitosos de todos os colaboradores, e iniciar discussões e treinamentos sobre comportamentos aceitáveis, deixando claro a consequência de atos inaceitáveis. O líder pode, em meio à rotina de trabalho, colaborar para que a mulher seja parte de uma cultura de respeito e de reconhecimento. Vale destacar que uma das autoras, assim que foi convidada para ocupar sua posição atual, observou que o web site da empresa apresentava mulheres em posições de liderança. Isso a levou a acreditar que se tratava de uma organização que oferecia oportunidades iguais para homens e mulheres. Essa percepção ressalta a importância de uma liderança que apoia a geração de um ambiente inclusivo para mulheres em STEM.

 

Educação – Educação é muito mais do que ir à escola, e a educação dada às meninas brasileiras de todas as classes sociais segue tendo falhas graves. Em uma loja de brinquedos, por exemplo, há uma divisão clara entre brinquedos para meninas, um setor majoritariamente cor-de-rosa e focado em bonecas, e a área para meninos, cheia de jogos de ciências e brinquedos de montar. Nas escolas, é comum encontrar grupos de robótica que, apesar de serem abertos a todos os alunos, são formados apenas por meninos. Isso apresenta às crianças um mundo segmentado que não facilita a construção da autoestima das meninas. Em relação, por exemplo, aos cursos universitários de engenharia, a limitada presença de mulheres estudantes faz com que muitas vezes elas se fechem em si mesmas, sentindo-se sem lugar. Um resultado desse quadro pode ser a desistência do curso universitário de STEM. Família e escola precisam mudar para quebrar estereótipos. A meta é criar um terreno fértil para a menina, a adolescente e a jovem mulher acreditarem que não há limitações de gênero para quem fizer da educação e da carreira em STEM uma opção natural.

 

A vida da mulher que trabalha é complexa – são muitos papéis convivendo em paralelo.

 

Durante a pandemia, nós duas tivemos a oportunidade de misturar de forma intensa a vida profissional e a vida doméstica. Nossos filhos nos viram trabalhando, e trabalhando com prazer e garra. Como sociedade, precisamos continuar a valorizar mulheres multifacetadas que nutrem sua família e trabalham para prover a seus familiares. Isso é um ensinamento para as novas gerações, que podem reconhecer que as mulheres são igualmente capazes de ser bem-sucedidas na educação em STEM e em carreiras STEM. Em 2024, é fundamental que encorajemos e suportemos garotas e mulheres para elas concretizarem seu potencial, incluindo o interesse por STEM em todos os níveis educacionais e em todas as oportunidades de carreira. Podemos trabalhar juntos para fazer com que essa jornada seja suave. Ao final, todos ganham.

 

*Franciele Nogueira Ferreira Rosa, Diretora de Engenharia de Design da Scala Data Centers.
*Camila Velloso, Diretora de Operações da Vertiv Latin America.