Uma Black Friday tranquila
Não poderia começar esta coluna sem mencionar algo que dá a ideia do trabalho que vem sendo feito por Ney Santos, CTO do Carrefour, e sua equipe. Nossa conversa aconteceu no final da tarde do último dia 25, Black Friday, o maior pico de vendas do varejista no ano e justamente o primeiro grande desafio de sua volta ao Carrefour, em maio deste ano, 12 anos depois de ter ocupado o cargo de CIO, de fevereiro de 2009 a out de 2010.
E o que há de curioso nisso? Simplesmente o fato de que às 17 horas deste dia D ele estava tranquilo conversando comigo com a certeza de que tudo estava correndo super bem. Confesso que não tinha realizado a coincidência das datas e fiquei, ao mesmo tempo, surpresa e lisonjeada quando ele próprio me chamou atenção.
Além da Black Friday, os outros dois grandes desafios de Ney nesta rentrée ao Carrefour são o Natal e o Big Brother Brasil de 2023, programa do qual a empresa é uma das patrocinadoras. Mas ele já segue com a certeza de que a missão número 1 foi cumprida, e sem sobressaltos! Ney comentou que gosta muito do varejo, “o negócio é vibrante e o vivemos mesmo quando não trabalhamos na área, como consumidores.”
E acrescenta que aquilo que sonhava há 10 anos hoje são coisas reais, como a omnicanalidade, nuvem, machine learning, inteligência artificial, visão única de cliente, CRM e tantas outras. “A tecnologia nos últimos dez anos deu um salto e o custo caiu muito”, afirma, lembrando que seu primeiro projeto de visão única de cliente, há 10 anos, no GPA – Grupo Pão de Açúcar, teve um custo enorme. “De fato as coisas agora se materializaram e voltar para o varejo é pode fazer o que a gente sonhava e tornou-se possível”, afirma.
A vontade de Ney de viver o chamado varejo digital coincidiu com o objetivo do Carrefour definido por seu presidente global de se transformar em uma “retail tech”, uma companhia que vai promover uma verdadeira transformação digital no varejo. Ney traduz este propósito como o de ser uma empresa com uso intensivo de dados, com processos simples e totalmente centrada no cliente.
“A partir daí você começa a ter uma jornada do cliente”, mas destaca o tamanho do desafio que é transformar uma empresa tradicional e que não nasceu assim. Para o executivo, este é o início de um novo ciclo que o Carrefour desenhou. E ressalta que não se trata apenas de transformar a tecnologia, mas de mudar o jeito que as pessoas trabalham, o modelo organizacional e a cultura da empresa.
O grupo Carrefour Brasil (Carrefour, Sam’s Club e Atacadão) é a segunda maior operação da empresa no mundo, atrás apenas da sede, na França, com cerca de mil lojas cobrindo todo o território nacional. Um dos parâmetros definidos para este ano no País foi dobrar a participação do e-commerce no total das vendas, chegando a 4%, o que foi atingido.
Mas Ney acredita que este percentual pode ir mais longe e baseia-se em mercados como o europeu, onde o comércio eletrônico do segmento alimentar, que é o carro-chefe do Carrefour, responde por cerca de 10% do total de vendas. Na época da entrada de Ney como CTO, o Carrefour criou no Brasil a área de Digital, que já existia lá fora. Juntos, ele e o CDO – Chief Digital Officer, vêm modificando o modelo de trabalho em tecnologia.
Ney destaca que a etapa de estruturação deste novo momento no Carrefour Brasil está se consolidando. E conta que conseguiram atingir uma operação com zero de ruído e que isso é um achievement importante. “O básico bem feio tem que existir. É muito legal ser surpreendido, mas é muito ruim ser decepcionado”, afirma. Para ele, o próximo passo tem que ser em dados, com foco maior na comunicação com o cliente, personalização de oferta, mais inteligência no CRM – Customer Relationship Management, mais inteligência em pricing. E diz que isso é que vai ser determinante em 2023.
Para o executivo, o jogo do varejo vai ser cada vez mais dados, conhecimento do cliente para personalização e muita eficiência na logística, no supply chain e distribuição até o last mile e há muito ainda a ser aprendido pelo mercado nesta área. Estes são grandes desafios e diferenciais que cativam o cliente. E acrescenta que o jogo da eficiência está sendo cada vez mais disputado. “Se eu sou exigente, a geração Tik Tok é muito mais.”
A equipe sofreu ajustes para atuar dentro da nova visão. Ele destaca que quando se foca em uma mudança deste porte você está falando de times mais auto-suficientes, auto gerenciados uma vez que tem que ter agilidade, longe do modelo hierárquico, onde poucas pessoas tomam decisões. Ney conta que trouxe pessoas novas para a TI, mas houve também aqueles que já faziam parte e que abraçaram a causa.
E comenta que hoje a área vive um clima de start up dentro de uma empresa tradicional. “Lembro de quando estava no Amélia”, diz, referindo-se ao portal lançado pelo Grupo Pão de Açúcar em 2011 que oferecia comércio eletrônico associado a conteúdo e serviços. E acrescenta que dentro da área a nova cultura já está consolidada, mas que isso agora precisa permear a empresa como um todo.
E por falar em startups, Ney atua também como membro do conselho de algumas empresas. Ele ajuda na parte de organização e governança e comenta que algumas startups têm um bom produto mas não estão organizadas para o go to market. E diz que há também aquelas que têm dificuldade de definir seu escopo, sua proposta de valor. “Mas também aprendo muito”, afirma.
“Grandes empresas no geral têm recursos mas são lentas e as start up costumam ter escassez e agilidade. É legal viver estes dois mundos e tem me ajudado muito também na minha atuação corporativa. É uma via de mão dupla.”
*Stela Lachtermacher é jornalista de TI, com atuação como editora e colunista no Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Editora Abril e diretora editorial na IT Mídia. Hoje tem sua própria empresa, a Candelabro, onde trabalha na produção de conteúdo para todas as plataformas editoriais e participa do Conselho Editorial da Decision Report.